Desajuste

"Para quem espigou no corpo mas não teve tempo de trocar de alma, as coisas parecem desajustadas." (Augusto Meyer, em 'No tempo da flor')

Peter, Paul and Mary



Aqui vai o afinadíssimo trio norte-americano de música
folk, originário dos anos 60. Cresci ouvindo as canções
de Peter, Paul & Mary, entre as quais está
"Early morning rain", uma das que eu mais gosto.

Almoço em agosto

Por ocasião do 10º Festival de Cinema Italiano, que acontece anualmente – às quintas-feiras de setembro –, no Multiplex Topázio, em Indaiatuba, pude assistir à comédia “Almoço em agosto” (2.008), de Gianni di Gregori, escolhida para encerrar o evento.
Os outros filmes selecionados pelos realizadores – o próprio Multiplex Topázio, em parceria com a Sociedade Ítalo-Brasileira – para esta edição foram “Don Camillo” (1.953), de Julien Duvivier, “Os palhaços” (1.971), de Federico Fellini e “Ontem, hoje e amanhã” (1.963), de Vittorio de Sica. Muitos clássicos do cinema italiano foram exibidos em outras edições do festival, que pretende – cobrando 1 kg de alimento como ingresso – prestigiar não só a cultura italiana, mas as entidades assistenciais da cidade, para quem a renda é revertida.
Sucedendo uma apresentação com músicas italianas e sorteio de massas, e precedendo uma festinha com bolo e vinho em comemoração ao 10º aniversário do festival, “Almoço em agosto” é um filme manso. Manso como Roma no feriado de Ferragosto, o que se dá no verão, em que a cidade fica vazia; manso como o sessentão que cuida da mãe viúva, e por essa razão não pode trabalhar, mansidão esta que o promove a uma situação inusitada: vê-se às voltas com outras velhinhas em seu apartamento, cuidando delas como cuida da mãe.
"Durante o tempo que morei com a minha mãe – diz o diretor –, vi de perto o mundo dos idosos. Vi a força e a vida que eles têm; a solidão e o medo do abandono.” Motivado por essa condição na vida real, Gianni di Gregori optou por filmar ‘a melhor idade’, suas manias, suas restrições, suas memórias. “Gosto de recordar essas coisas de infância –, diz Grazia – por que a velhice nos dá tão pouco.”
O filme é manso como os velhinhos, por quem tenho eterno apreço. Não se vêem comédias como essa, em que o companheirismo aparece mais que as piadas. “Não é filme para a gargalhada – diz o crítico Marcello Avellar – é para o sorriso.” A ternura é o sorriso do filme; o idoso é sorriso da vida.

Outras comédias

Entre as boas comédias de todos os tempos figuram tantos subgêneros que precisaria de uma boa dezena de artigos para recomendá-los. Com a ascensão das chamadas comédias românticas e dos tantos enredos estrambóticos que tem sido lançados nos últimos tempos, posso assegurar diversão em ótimos filmes um pouco menos recentes.
Vou um pouquinho mais longe só para indicar o clássico “Um convidado bem trapalhão” (The party, 1.968), em que o hilário Hrundi Bakshi, vivido pelo ator inglês Peter Sellers – o primeiro intérprete do inspetor Jacques Clouseau no cinema –, apronta uma verdadeira catástrofe numa festa milionária em que vai parar por engano.
Pouco mais recente é “Não somos anjos” (We’re no angels, 1.989) em que Robert de Niro e Sean Penn são perseguidos pela polícia, refugiam-se num mosteiro e se travestem de padres para enganar a polícia.
Também são confundidos Gene Wilder e Richard Pryor – uma famosíssima dupla da história das comédias – em “Cegos, surdos e loucos” (See no evil, hear no evil, 1.989). Gene é surdo, Richard é cego. Os dois presenciam um assassinato e são acusados do crime, que precisam desvendar antes que sejam presos.
Por último indico o não menos rocambolesco “O homem do sapato vermelho” (The man wiht one red shoe, 1.985), uma comédia de grande sucesso dos anos 80, na qual Tom Hanks interpreta um pacato – e atrapalhado – violinista da Filarmônica de Washington que é confundido com um agente secreto do FBI por usar dois sapatos diferentes.

Tédio

Desalento. Apatia, fraqueza. Corpo pesado, preguiça, solidão. O tédio mora entre a falta de ação e a sonolência, em cuja ambiência vivem a aridez e a letargia, onde o céu está cinza, as ruas estão desertas e as árvores dos jardins – mesmo as floridas –, estão ressequidas e incolores. Na vizinhança se aglomeram medos e dissabores, a tristeza passa próxima ao abismo, o pensamento circula perdido e o vazio cresce à beira de bobagens.
O mais correto seria culpar o despropósito, ao redor de cujos tentáculos passeia a ociosidade. A falta de grandes objetivos na vida equivale à canoa sem remos: fica ali sem referência, balançando de lado para outro ao tempero das ondas que os outros deixam quando passam em seus navios, com os seus motores, com as suas bússolas e com os seus destinos traçados. E o fazem sorridentes, distintos, achegados, como se o entediado não compartilhasse da sorte do mundo.
O entediado vê borrões no arco-íris, lê garranchos nos bons livros e ouve chiado nas boas músicas. “Não é o tédio a doença do aborrecimento de nada ter que fazer, – escreve Fernando Pessoa – mas a doença maior de sentir que não vale a pena fazer nada.”
O perigo da não-ação pode advir dos excessos: em muitos casos, quem tem demais se preocupa de menos. Quem tem de menos se preocupa em sobreviver e sobreviventes não sentem tédio. Não sentem tédio os curiosos, os interessados, os expansivos, os que encontram tarefas por fazer. O perigo advém entre aqueles que não as enxergam ou não se dispõem a cumpri-las, o que às vezes sobrecarrega os demais. O perigo advém da indiferença, das parcas perguntas para tantas histórias, do pouco exame de consciência.
Entretanto, a vida floresce mesmo na aridez, como se sabe. Mesmo nos desertos encontramos uma sombra de benquerença, um oásis no caminho que deslinda uma nova perspectiva. Uma luz de incentivo, uma fé renovada, uma outra confiança, uma nova compreensão: a de que existe sempre alguma coisa acontecendo ao nosso redor esperando pela nossa prontidão.

Os reis do riso

Poucos gêneros são mais universais do que a comédia. Até a expressão ‘comédia’ é mais universal do que se imagina. Vieram da Grécia Antiga, por ocasião do surgimento do teatro, os temos tragédia e comédia, através dos quais Aristóteles diferenciou, em “Arte Poética”, os feitos dos homens nobres e as histórias das pessoas comuns das pólis, respectivamente. Por essa definição, a “Divina Comédia” de Dante Alighieri é ‘comédia’ não por ser engraçada, mas por ter um final feliz. As tragédias destes tempos acabavam mal para os protagonistas.
A comédia que conhecemos hoje nos faz rir de todas as maneiras: é o filme irreverente, o debochado, a paródia, o pastelão; é o humor ingênuo, o refinado, o sarcástico. Sobretudo quando a sala está cheia e o riso é contagiante.
Cabem aqui outros artigos para agrupá-las, que são muitas as boas comédias. As minhas prediletas são as ingênuas: não existe graça maior do que assistir ao Carlitos (f0t0) fazer das suas para escapar da jaula onde se trancou por engano, sem acordar o leão que dorme lá dentro. Assim, “O circo” (The circus, 1.928), como os vários filmes de Charles Chaplin, valem uma conferida. Poucas comédias guardam a inocência de Chaplin, de Stan Laurel e Oliver Hardy, dos irmãos Marx, dos Três Patetas, de Buster Keaton ou Mazzaropi, em que a graça é singularmente despretensiosa. Uma delas é “O homem que perdeu a hora” (Clockwise, 1.985), sobre um diretor escolar neurótico por horários que perde o trem a caminho de receber uma honraria. Impagável.

Platão e Aristóteles


Platão (apontando para cima, para o mundo
das ideias) e Aristóteles (apontando para baixo,
para a realidade) são representados pelo
renascentista Rafael Sanzio (1.509)

A importância da água

Sempre fui um grande apaixonado por água. Por ocasião de uma bronquite, ainda muito criança, a natação foi indicada ao meu caso e posso dizer que foi amor à primeira mergulhada. A água do mar, dos lagos e das piscinas sempre foram sinônimo de férias, pescaria e esporte, ainda que tenha aprendido a contemplar a mais fina garoa como o mais belo por do sol.
Daquela época até hoje a água deixou de ser um líquido e passou a ser um símbolo. O mar levou a ideia de recreação e trouxe paz e higiene mental; a natação deixou de ser mecânica e corporal para ser relaxante e um copo d’água passou a significar mais do que simplesmente matar a sede. Transformou-se no símbolo da boa saúde.
Um adulto elimina perto de 2 litros d’água por dia, mas nem todos se dão ao trabalho de reconstitui-los, independente da sede. Os especialistas aconselham a ingestão dos mesmos 2 litros – ou 8 copos – diários, para que o corpo desempenhe a contento as suas funções. Como os excessos são prejudiciais, não se recomenda muito mais do que isso, ainda mais sem a devida eliminação. Vale lembrar que alguns alimentos – como a alface, o aipo, o pepino, o repolho cru, a melancia, o brócolis fervido e a laranja, entre outros – também constituem, como o leite e outros líquidos, grandes porcentagens de água.
A água regula a temperatura do corpo, mantém os rins ativos, dilui sólidos, transporta nutrientes, elimina impurezas, benze e opera milagres.
Aliás, a água quase sempre esteve associada aos propósitos divinos: nos rituais cristãos como o batismo, nos rituais wiccanos e xintoístas de limpeza, nos banhos que simbolizam a passagem para uma nova vida, purificada com a remissão dos pecados.
A água renova, revitaliza e lava, sobretudo a alma. Com açúcar acalma os ânimos, com sal tempera a vida. Com pouco faz muito e com muito derruba obstáculos, impiedosa, que se opuserem à sua frente. Contorna curvas ou alturas e se amolda a qualquer forma como um símbolo de força e de garra, exemplo a que todos nós devemos seguir.

Entranhas Alucinadas da Aldeia


O amigo Júlio Bittar lança seu novo livro,
"Entanhas Alucinadas da Aldeia", na famosa
Galeria Olido, rodeado de poesia e música,
bem no coração de São Paulo.

Uma vida de paixão

Cinebiografias são impagáveis. Não à toa é o meu gênero preferido, em que se pesem reconstruções de épocas, contextos, vestuários, modos, tradições e diálogos absolutamente imperiosos. “Balzac – A life of passion” (1.999), com Gerard Departieu, Jeanne Moreau, Fanny Ardant e grande elenco, reconstroi a trajetória do desmedido Honoré de Balzac (1799-1850): alto, corpulento, inventivo, falastrão, megalômano; incansável retratista da sociedade, competente vítima do sofrimento.
Assistir à sua história é acompanhar o amor de um rei aos seus súditos personagens. “Chamem o médico Bianchon – diz em seu leito de morte, ao que lhe responde a esposa: ele não pode vir, Balzac, ele não existe”.
Contemplar seus métodos e as suas 15 horas de dedicação diárias à literatura é conhecer com lupa a essência do maior apaixonado do modelo humano: do cidadão comum, do pai de família, do trabalhador, do religioso, dos amantes, da mulher. A ponto de deixar à espera a moça com quem teria em instantes uma relação carnal: algo no cenário lhe ativara o desejo da anotação inesperável.
Assim, em meio século de vida se torna o autor da monumental “A comédia humana” dividida em 88 narrativas – contos, romances, novelas, noveletas – que delineiam, quase enciclopedicamente, a sociedade francesa do seu século, em que Paris efervescia.
Como Monteiro Lobato teve seus vislumbres de editor; como Émile Zola meteu-se ao meio do povo para capturar-lhe os meneios - até que o acusassem de plagiar a realidade -, e como nenhum outro descreveu tão extensamente a alma humana.
Assistir aos diálogos entre os contemporâneos Victor Hugo, Eugène Sue, Stendhal e Balzac é compreender a importância do escritor, sobretudo como artesão das palavras. “Todos os escritores lutam – diz Victor Hugo a Eugène Sue –, contra a burrice, contra a ignorância, contra a indiferença. Por isso o homem inventou a escrita”.

Coco Chanel & Igor Stravinsky

Está em cartaz um novo filme sobre a vida de uma das maiores personalidades do mundo da moda, a francesa Gabrielle Bonheur Chanel (1.883-1.971), conhecida pelo apelido de ‘Coco’ Chanel em razão do refrão de uma música que ela gostava de cantar – chamada ‘Qui qu’a vu Coco?’ (‘Quem viu Coco’)? – quando ainda se apresentava em bares e cafés, antes do estrelato. Recentemente, Audrey Tautou, em ‘Coco antes de Chanel’ (2.009), e Shirley McLaine, em ‘Coco Chanel’ (2.008), interpretaram a estilista no cinema.
Neste ‘Coco Chanel & Igor Stravinsky’, lançado no final de agosto no Brasil, a atriz francesa Anna Mouglalis encarna a já consagrada mulher de negócios, à frente de seu prestigioso ateliê, à frente dos seus traços libertadores, à frente do seu tempo. Igor Stravinsky (1.882-1.971), é um compositor russo que desembarca na Paris de 1.913 para apresentar o balé ‘A sagração da primavera’, considerado essencialmente escandaloso para a época. Na plateia o destino coloca Chanel.
Coco Chanel e Igor Stravinsky são dois instintos revolucionários, duas almas inspiradas, dois ícones do Século XX que a arte e a guerra ajudaram a aproximar. Chanel quer renovar o mundo da moda; Stravinsky quer revirar o mundo da música. São os dois artistas, os dois espíritos sensíveis e as duas personalidades marcantes que o filme quer retratar. “Você compõe primeiro no papel? – pergunta Coco. Não, começo sempre ao piano; preciso sentir a música em meus dedos – responde Igor. Eu também – diz ela –, nunca faço esboços; preciso sentir o tecido”.
Chanel está para Stravinsky assim como Ludovico, o Mouro, está para Leonardo da Vinci: assim como o Duque de Milão, a abastada estilista promove a criação genial do artista e do visionário, como a história se encarrega de contar. E mais do que isso: ausculta a relação entre os dois, os seus medos, as suas buscas. O cenário recende o perfume que Coco tanto procura, irradia bom gosto, elegância e glamour; a trilha toca Stravinsky, ressoa beleza e retumba paixão.

Pequenos detalhes


Postagem dedicada à minha amiga Rose Araújo,
que me dedicou uma pequena tarefa
do seu dia a dia

Concurso cultural

(do site oficial)

A Academia Brasileira de Letras informa que, devido ao grande sucesso do concurso cultural "Conte o conto sem aumentar um ponto", o prazo para envio dos trabalhos foi prorrogado até 14 de outubro, ficando, desta forma, 25 de novembro a nova data para o resultado do concurso.
Os interessados devem encerrar, de forma distinta do original, o conto "A Cartomante", de Machado de Assis, não ultrapassando os 1778 caracteres, a mesma quantidade usada pelo escritor para finalizar sua obra, desde o trecho indicado pelo concurso. Vale ressaltar que, para concorrer ao prêmio, o consulente deverá ser seguidor do Twitter da ABL e atentar-se às normas que constam no regulamento (clique aqui para conhecê-lo). Para enviar o texto é necessário se inscrever - gratuitamente - no site da ABL (para fazê-lo, clique aqui)