A passagem

As portas se abrem e pés com correntes tilintam pecado e sofreguidão passo após passo inferno adentro, silêncio e calor fumegante. As mãos presas e o cenário em vermelho, crepitando inglória e crueza, lava e fumaça soltando de buracos do chão. Os grilhões esquentam nas pernas e punhos do morto, mas dor não sente no corpo desde que a alma ficara no térreo por crime de assassinato. Expressão rude e andar retesado, cospe a saliva que em pouco se esvai na quentura como um pingo de areia soprado num mar de tormenta. De imediato lhe vem resistência, um tranco por trás em sinal de inflexão e a forquilha na nuca para andar como escravo até ser jogado numa vala dantesca, coberto de lama até o pescoço, soltando ódio das ventas.
Dali o elevador se fecha e, subindo, do térreo recolhe uma doce donzela, corpo lívido e ar puro, frágil como uma hóstia. Os cabelos crespos e morenos, brilhantes pelo halo ali em cima, arrumados para trás em presilha não fossem alguns fios escorridos pelo rosto meigo e pela boca entreaberta, que a moça então, delicada, ajeita para trás. Sobe graciosa, meio quieta, meio pensando, o marido e os filhos deixados para trás, arrancados por estilhaços de crime, encaminhada aos cuidados de anjos do céu vinha desguarnecida de raiva ou rancor, abonada por um quê de divino subia antes da hora, abrindo ao redor as suas asas, belas e suntuosas, livre para voar.

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