Viagem do centro da Terra

Anda em círculos procurando saídas e um vento brisa breve apontando a direção conhecida, ao norte, de onde caíra. Volta à partitura inacabada e estão lá três novas notas que acabara de inspirar. Senta-se ao piano insatisfeito, angústia vibrando às mãos silentes e pedaços de caminhos intermitentes ecoam sobre a parede branca conforme seus punhos nada fazem. Rege algumas três tentativas e o que tem são desvãos esconsos onde moram suas buscas. Quer os entremeios, lampejos para casa que vêm e vão como pontes levadiças, brotam em claves mas piscam nas pausas e pensa que pode voltar se tocar sem parar.
Dorme e sonha um enigma onde lá é um sol e à ré, mi é um fá sustenido e acorda e se atropela ao piano sem notações. Advém-lhe dós e sis frescos à bemóis semibreves, aplica rés à quatro oitavas, susteniza um compasso frenético para viajar na loucura e do interlúdio à fuga nada acontece. Passa o dia num quase, revoado na brisa de novo, atento à trilha que ele mesmo compusera, aberta para dentro da Terra a golpes de imaginação.
Se na brisa voltasse, assobiando o moderato como era em temperança, poria para fora o próprio composto, um andante entremundos, descendendo dor e verdade, paz e prudência pelas bandas que versava em condões e colcheias. Na brisa assopra um destino, uma inspiração de rés temperadas que aterrissam brandas tão logo subiram seus tons. Sem ímpeto, sem força, a doçura baixara seus punhos de guerra e num arremesso de basta solta seus ventos, bradando à caverna o canto animal que injeta nos olhos; enfuriado peito para dentro, peito para fora salta suas veias num turbilhão de poemas em notas, vendaval de cifras e arranjos que levantam as folhas, estremecem as almas e acordam a platéia. E cintilam o caminho do centro da Terra.

2 comentários:

Ana Maria disse...

o velho e bom escritor voltando aos textos.
MUITO BOM ISSO COMPADRE!
Um texto seguro e bem engendrado como são os seus textos habituais.
Semiótica vibrante, cores e movimentos parece que saltam das palavras!
Parabéns.
ANA

Paulo Sartoran disse...

Cumadre, sempre simpática e gentil nas suas palavras! Este texto eu fiz lá na oficina do Nelson, em São Paulo! Vc vai se lembrar, um exercício cujo ponto de partida era uma partitura... Grande beijo!