As diferenças

Enfiado na bolha de sabão decide viver. Sua escolha custa caro à perfeita e translúcida rodela que estoura à sua vontade de sair. Cai-se junto às gotas e estas, juntas, tornam-se ao balde o que é para ele um Atlântico com nacos de espuma. Bóia sobre um plástico esquecido e não sucumbe à estratégia da água com o furo no cantinho, por onde sai rodopiando, caindo engasgado num monte de lama. Ali tem seis ou sete iguais a ele e se ajuntam para não afogar o mais pesado, que afundava distante dali dez arfadas suas. Mal tem forças para puxar o rapaz e mais atrapalha do que ajuda. É xingado a brados ferros, mas não responde por que a zonzeira ainda persiste. Ao silêncio se acrescenta ousadia, atrevimento que os outros lhe atribuem e que muito gostaria de ter. Cospe barro engasgado, rola azul para o lado sem nada entender do que é acusado. Vê o gordo salvo e se alivia, mas se voltam contra a sua petulância. Dois ou três ainda o defendem e ele entende que está em apuros. Prefere fugir para o balde, onde do furo a água ainda sai lenta. Retoma o plástico e assopra dois bafos, nada contra a maré e volta ao torvelinho de sabão que roda breve. Vai alçado pelo ar comprimido até a superfície, onde encontra as gotas de sabão que há pouco tivera estourado. É cercado de imediato e não vê saída senão negociar. Advém-lhe mea culpa por traição, interferir na bolha que o levava monótona e placidamente. Diz-lhes como precisa de vida, sair da redoma, pisar terra firme, conhecer outros mundos; mas ouve resignado que as gotas todas, finas, esforçadas, uniam-se, exatas, herméticas, para flutuá-lo adiante, para leva-lo distante para ares melhores dali. Circunda-as do centro da roda preso ao plástico inflado, atento ao julgamento de cada uma, maiores, menores, ensaboadas, azuis, amarelas, opacas. Lá embaixo o esperam com raiva e barro para sepultar-lhe inocência a golpes de ignorância. Ali em cima ainda tinha o diálogo para ponderar as diferenças e resolve condescender ao parlamento das gotas se desfazendo das pesadas vestimentas que carregava consigo, pedindo carona para casa. Compartido, estoura o plástico decidido e na explosão, entre as mesmas gostas e o mesmo sabão, vê-se envolvido em nova bolha, que parte do balde para os ares em poucos instantes; mas dos ares para casa não sabe dizer sobre o caminho, nem em quanto tempo chegará.

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