O caminho do meio

De dentro do carro, o cinto de segurança ainda preso, vejo bem à minha frente a rua deserta. Passam dois ou três carros no pouco tempo em que fico ali parado. Avalio que tão inquietas pessoas teriam o impulso de saltar porta afora e correr para a rua, para a calçada ou para um sentimento qualquer de vivacidade.
Como dizia para a nova amiga Ida Cabrini, escritores veem histórias onde não passam carros, na calmaria, no deserto da cidade. Poderiam contar tanta coisa como eu conto agora da menininha que saiu ao portão com a sua estripulia infantil e o seu cabelinho despenteado.
Tem no máximo 4 anos, no corpinho um vestido branco e nas mãos dois pequenos saquinhos que pretende depositar sobre a lixeira que está adiante dali alguns passos seus. Atrás dela vem outra mocinha, com o dobro da sua idade e o dobro do seu tamanho que, por esta razão, pode tomá-la ao colo e içá-la à altura de onde já estão alguns sacos empilhados, por cima dos quais ela coloca os seus. Lá do alto estica os bracinhos e os joga brincalhona, voando para casa nos braços da outra.
E fico pensando por um instante como os adultos procedem em suas vidas: rearranjam a lixeira, deixam para baixo a caixinha de papelão e os sacos mais leves e põem para cima os sacos maiores e mais pesados; acomodam tudo como se daquilo dependessem as suas vidas.
A alegria infantil me dizia que a vida era mais simples. Bastava por o saquinho ali e pronto, sem muita elegia, sem muito badulaque, sem muita preocupação. Mas bastou que se passassem alguns minutos para que a razão dos adultos revigorasse. Leves s soltos, os saquinhos da menininha voaram ao primeiro vento. E fui embora pensando no caminho do meio: a felicidade pode estar aí, entre a seriedade e despreocupação.

Um comentário:

Alexandra Deitos disse...

o tão procurado caminho do meio....