Delicadeza

Por ocasião de escrever sobre a romancista inglesa Jane Austen (1.775-1.817) essa semana, dei-me conta do quanto regredimos em relação ao nosso comportamento, aos nossos costumes ou relacionamentos. Mesmo se descontando o rigor no trato e na educação da sociedade inglesa dessa época – o que a escritora radiografa tão bem –, até meados do Século XX andar bem aprumado e usar de boas maneiras no dia a dia era menos que uma obrigação; era parte do cenário.
Perguntas como “Quem?” quando alguém atende ao telefone, exclamações como “ah, me poupe!” ou diretas como “não me encha o picuá” seriam objetos mais do que estranhos naquele tempo. Sem contar que o homem caminha para o grunhido, como disse José Saramago uma vez. Antigamente se dizia Vossa Mercê para se designar os nobres e os fidalgos, o que, com o tempo se tornou Vossemecê, Vosmecê e finalmente Você. Não me espanta que pelo mesmo processo as pessoas tenham passado a se preocupar mais consigo mesmas do que com os outros ao seu redor.
Acompanhar deixou de significar apreço e dignidade para designar interesse e conveniência; cortesia se tornou uma qualidade para pouco. Os bailes, as festas, as reuniões, tão comuns naquela época, eram preciosos momentos de confraternidade; a vizinhança não só se frequentava, mas partilhava de arte e cultura, música e camaradagem que foram diminuindo com o tempo. Os costumes previam estima e bom gosto, que eram observados nos modos de proceder e nos trajes pomposos e impecáveis.
Hoje os vizinhos não se conhecem, os amigos se encontram em bares, as famílias se reúnem com muito custo e as roupas valorizam mais o corpo que o caráter. Mesmo o respeito à autoridade decresceu. Apenas um olhar dos avôs de hoje já tinha a sua soberania, virtude a qual poucos pais de hoje detém.
Contudo, com tanta transformação, estou certo de que um pouco daquela época ainda vigora entre a educação e a polidez. Ainda que não venha do berço, sempre é tempo de fazer pelo outro o que gostaríamos que fizessem para a gente.

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