Bodas de Rubi

Quando as trombetas anunciarem 22 de novembro e pelas portas passarem as damas da honra e da honestidade, carregando nas próprias mãos uma boda de rubi, serei capaz de contemplar os 40 anos que os meus pais, Renato e Antonia, completam com louvores.
Ao me dar com a igreja tão enfeitada, com os trajes tão mais sóbrios e os rostos tão familiares, posso me estender da água benta ao altar num único sobrevoo, como se eu mesmo abençoasse a união dos noivos. O padre é o mesmo com quem eu me encontro semanalmente, o tapete vermelho está salpicado de rosas e a cerimônia é católica, mas num interlúdio penso no preceito budista em que os filhos escolhem de que pais vão nascer. Serei feliz na minha escolha? -pergunto aos anjos dos vitrais.
Lá fora vejo divórcios e dores entre pais e mães, que me aquietam; vejo ofensa e falsidade como se um juramento fosse um estalido rouco de sinos. Vejo histórias que terminam por nada e vejo o privilégio da história que por nada termina. A vida é feita de escolhas, digo aos anjos dos vitrais.
Na troca de alianças vejo os mesmos olhares serenos que passaram pelos contratempos sem nenhum desdouro. Posso ver o marido que ensina a esposa a dirigir e vejo o homem motorista e passageiro com a mesma compleição; posso ver a noiva se dar mais à família que com seus próprios encantos. Vejo um sorriso e depois outro, como se tem sucedido em sinal de bonança. “O amor verdadeiro – disse o escritor Victor Hugo – é como o mar: por mais violentas que sejam as tempestades à superfície, o fundo permanece calmo.”
Ouço o valor da promessa, maior à presença divina, ressoar como um cântico pelas chamas das velas que ainda cintilam. Do altar à vida lá fora andam sob o mesmo compasso, o mesmo com que minha irmã, Maria Helena, e eu nos orgulhamos de andar. De braços dados são companheiros desde a chuva de arroz e o beijo na fronte ainda exala o respeito que eu, como filho, aprendi só de olhar. E sou feliz na minha escolha, digo aos anjos dos vitrais; mais feliz não poderia ser.

Um comentário:

Ida Cabrini disse...

Parabéns mais uma vez...seu texto é lindo e emocionante ! Uma declaração de amor e respeito aos seus pais !!