14 mil dias

Não posso dizer que até aqui a minha jornada tenha sido de descobertas, porque, afinal, todos acabamos por descobrir as mesmas coisas; mas posso dizer que sob olhos poéticos a vida ganha contornos muito particulares. Sobretudo quando se bate às centenas de portas que se antepõem ao nosso caminho diariamente. Muitas não se abrirão jamais, e outras se abrirão oportunamente, pois tem o seu tempo e a sua razão; nestas, descobri que mensageiros nos avisarão a hora certa se deixarmos um bilhetinho pendurado. Algumas se abrirão traiçoeiramente e seremos expulsos a quedas e escorregões se ousarmos transpassá-las inadvertidamente. Muitas estarão destrancadas, mas só saberemos se estivermos atentos e só entraremos se estivermos dispostos.
Andar pelo castelo da vida é realmente uma arte: requer a mansidão dos poetas, a sensibilidade dos pintores, a cadência dos músicos. Requer a virtude mais que o defeito, porque o defeito corrigido é virtuoso. Requer respeito e compaixão porque nunca estamos sozinhos e os outros não são melhores nem piores, apenas diferentes. Requer desapego, porque por nem todas as portas passa tudo o que queremos levar. Requer amor e diplomacia porque, afinal, também abrimos e fechamos portas.
Pelos corredores do castelo não se anda, mas se deixa levar. Suas paredes não são tijolos, mas conduzem como as trilhas de um campo aberto, onde há flores à beira da terra de chão ou buracos, insetos e bichos, conforme o peregrino. Nenhuma trilha continua sem escolhas e nenhuma escolha é fácil quanto parece. Há sinais a seguir, mas muitas vezes escolhemos os nossos, que juramos existir. E damos com pântanos, desertos e solidão, junto do calor árido, longe do calor humano. Mas vale também o mergulho para dentro, que torce sombras e remexe fantasmas.
E, sim, espantamos nossos medos quando tudo mais acontece, como se outras portas se abrissem ao mesmo tempo. E assim, ao completar hoje – 17 de maio de 2011 –, 14 mil dias de vida, não terei descoberto um segredo que alguém ainda não saiba, mas terei aprendido a mergulhar num instante de paz, onde o certo e o errado já são coisas do passado. Terei aprendido nesta jornada a acumular riquezas: não aquelas que não passam pelas portas, mas as que sempre me acompanham, aonde quer que eu vá.

Um comentário:

Patricia Quitero disse...

Nossa Paulo, quanto tempo, quantos anos... Que saudades! Adorei seu texto. Espero que tenha de mim boas recordações, assim como tenho de você na PUC
Abraços

patricia quitero