
Simone de Beauvoir (1.908-1.986) já sabia, aos 15 anos, que seria uma escritora. Aos 21 já se tornara imbatível em Gottfried Leibniz, estudando o filósofo alemão com o afinco de um castor.
Os dois se conheceram na mais prestigiosa universidade francesa, a Sorbonne, onde estudaram juntos para a Agrégation – uma espécie de concurso para se tornarem professores na entidade – em filosofia, o que também obtiveram juntos, com louvores, em 1.929: Sartre foi aprovado em primeiro lugar; Beauvoir, em segundo.
A história da afinidade entre os dois, de como se conheceram, de como se enamoraram e de como estabeleceram uma inusitada relação poligâmica pode ser encontrada em várias autobiografias, entre as quais se destacam “As palavras” (Le mots, 1.964), de Sartre, e “Memórias de uma moça bem comportada” (Mémoires d'une jeune fille rangée, 1.958), de Beauvoir.
Baseado em tanto material disponível, o filme “Os amantes do Café Flore” (Les amants du Flore, 2.006) percorre, a partir da Sorbonne, a trajetória dos dois: a precocidade, o amor pelos estudos, o amor pela filosofia, o amor pela literatura, o amor de um pelo outro e os amores de um e outro pelos outros – e outras. “Não tenho vocação para a monogamia – diz Sartre a Beauvoir –, sou um escritor, preciso de ar, novidade, emoção. Só preciso de você, mas preciso de amores eventuais.”
O filme recende filosofia. “Jure, por Heidegger”, diz uma amante a Sartre. Os entremeios do existencialismo, baseado no qual o homem é o responsável direto pelo seu destino, abrem-se sob as suas figuras centrais – incluindo uma participação de Albert Camus –, expondo mais o cotidiano e o comportamento do que o aprofundamento filosófico.
Como mulher, Simone de Beauvoir sopra novos ventos: atribui a infelicidade não à Providência Divina, mas à hipocrisia nas pessoas, a austeridade nas famílias, a reclusão do casamento. “O seu marido teve que morrer – diz à mãe, historicamente subserviente ao pai – para que você sonhe com um pouco de felicidade.”
Como escritor, filósofo e personagem, Sartre é um aguilhão. Atropela ritmos, preceitos, convenções. “O respeito à instituição paralisa – diz à classe, depois de boxear contra um aluno que hesitara golpeá-lo –; quero cérebros livres! Garanto a vocês que terão mais êxito que os outros cursos.” Como filme, “Os amantes do Café Flore” não é só biográfico, é instigante. Parece eleger seu par de protagonistas para incentivar não só um ao outro, mas em quem lhes botar os olhos. “Sacuda-se –, diz Sartre a Beauvoir – senão terminará sendo uma senhora”! “Pare os violinos!”, “temos que soprar um furacão de liberdade no mundo!”
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