Poesia, doce poesia

Poesia, doce poesia. Valsa de cores, som e beleza. Doce sonata de pingos finos de chuva na manhã com sol, que mais brincam de cair, do que caem. Poesia. Doce punhado de azul celeste, que se acinzenta quando sou eu quem te pinta de triste. Pois tu és triste, ó estrofe, mas não disseste a todos, só a mim. Doce corte no peito que me põe retirado, eu e as minhas mágoas, feito linha e agulha, feito mulher cerzideira, que junta dor e ternura na mesma laçada. Mas doce é o que me provocas, o sentido que me reverberas como um eco de imagens que se desterram das cavernas. Tu me provocas, mas te rimo de novo por reflexivo que me fazes, suas radiantes pinceladas nas campinas, seus sombrios pendores nas depressões. Tu me provocas e me afasto de novo, como se o resto do mundo fosse também poesia: minhas raivas me esquentam, mas prefiro dizer que é culpa do sol a pino; minhas tristezas me cortam, mas os poetas tem mesmo as suas almas à mostra. Tu me provocas, mas te insisto mesmo assim, com meus escrúpulos ou na falta deles, pois tu és móvel como a imagem de Narciso à beira do lago, a quem eu me inspiro para te decifrar: a tua beleza é só minha. Faz-me em pedaços, eu permito; faz-me mosaico com as tuas formas, soma-me ao estribilho passado, combina-me ao verso todo, revira-me de um sentido que, mesmo que eu queira, inexiste.

Mergulho


Nadar é uma das minhas grandes paixões. É como se eu voltasse a ser feto, rodeado de calor e aconchego mesmo quando as águas das piscinas estão agitadas e frias. Lá me sinto em casa e cercado de vida, mesmo nadando sozinho. Lá não tenho os pés no chão nem fico duro e preso como um poste de concreto. Lá preciso de movimento; minhas pernas e meus braços são motores e turbinas como barcos que não podem parar, senão afundam. Vou rápido como um caracol, que carrega a sua casa nas costas; basta para mim que vá em frente, levando comigo os meus desígnios sem pestanejos. Nas águas deixo dores e problemas, que se dissolvem como o pó que vira barro no fundo do mar. Vejo um cardume colorido, como se mergulhasse em outro mundo; vejo sereias e flores marinhas, porque lá é tão mais bonito. Nado rente às algas e às pedras, onde flutuam também as minhas ideias e os meus pensamentos. Meu corpo e minha mente me carregam como se a água e eu fôssemos um só. Viro o meu rosto e vejo num átimo o sol estendido lá em cima, por depois dos meus óculos, inocente como uma bola de plástico. Consigo avançar mesmo que não veja adiante, pois sei que ninguém invade a minha raia. Sou um peixe num mundo de ladrilhos alinhados, pelos lados dos quais entram e saem águas claras e límpidas, por sobre onde bóia um barco sozinho, cujos braços de madeira foram esquecidos por alguém. Lá fora o céu está azul, ao que se passa um tropel de gaivotas bem formadas, as mais novas primeiro, as mais velhas depois. À minha frente abro espaço não com asas, nem com força, mas com jeito; e as águas é que me levam, mansas, ondulantes, a caminho do horizonte.

O papagaio e o frango

Um homem comprou um papagaio, mas quando chegou em casa foi aquela decepção: o papagaio xingava e falava palavrões o dia todo. O dono tentou amansá-lo lendo poesia, tocando música clássica, mas não teve jeito. Passou a gritar e fazer ameaças, mas a situação só piorava.
Num momento de fúria, o dono avançou sobre o louro, tomou-o enfurecido e o jogou dentro do freezer. O papagaio se pôs a xingá-lo de tudo quanto foi nome, mas depois de alguns segundos misteriosamente se calou.
Pensando ter matado o bichinho, o dono abriu a porta do freezer, de onde o louro saiu pálido, dizendo de mansinho:
- Sei que meu linguajar tem sido mais do que inapropriado e que minha atitude não condiz com a atenção que o senhor tem me dado. Gostaria de apresentar minhas sinceras desculpas e dizer que daqui em diante me portarei dignamente.
Em seguida, quase choramingando, o papagaio perguntou:
- Só por curiosidade, o que foi que o frango fez?