Sertão de Goiás

Na próxima semana viajo para o cerrado goiano, uma das tantas maravilhas deste Brasil multigeográfico, florão da América, por onde se espalham das caatingas às serras e picos, dos platôs às grutas, do Pantanal às florestas de norte a sul; dos mangues e restingas às dunas, dos recifes às extensas e diversificadas redes fluviais, da imensa costa litorânea às ilhas marítimas, da fauna à flora ricamente abençoada ao povo tradicionalmente hospitaleiro.
Viajo para o meio do nada, onde os prédios são os grandes pequizeiros, as aroeiras e os gravatás; o trânsito são tropéis de bois e vacas que tocamos sobre a sela e as buzinas são piados e mugidos de vida e natureza acontecendo simultâneas. Viajo para o meio da grama e da orquídea, por onde, ao fundo da pequena descida nadam pequenos peixes num regatinho. Viajo para onde o asfalto não chega e as cancelas eletrônicas nem futuro distante são; onde na terra de chão não há marcas de rodas e onde, ao longe, se vêem apenas verde e azul, mesclados feito obra de arte, feito tela de Deus.
Levo comigo todos os meus alvoroços, que só o andar descalço não dispersa; levo as minhas dúvidas e os meus questionamentos, que a pacatez do sertão responde, levo o tanto do ar viciado da metrópole que pretendo trocar pelo puro. Levo na bagagem a cidade grande, mas lá tão distante sou pequeno e ouso me calar, porque quem cala, sente. Até aí, celular e notebook servem de encanto ou peso de porta, que diante de tais vislumbres um chip não é nada. Neste esplendor de cenário posso rever o fim de tarde mais belo de todos os tempos, o céu vermelho e violeta como dois tons da rosa e a noite tão estrelada quanto enfeitada por chamas no véu.
Chip só para poesia, que me valem guardar retratos da viagem sob a forma de histórias. Chip só em frações, que as histórias não contam o que os segundos me passam, que eu conto em um ponto quando, em sopros, me bastam. Chip só para artigos para vocês, ainda que prefira enviá-los por sinais de fumaça ou por pombos-correio.

Bondade

Não me canso de escrever sobre a virtude, ainda que nenhum dos diplomas na minha parede atestem a justa fórmula da vida. Prefiro acreditar que pontuar otimismo seja um tanto melhor para o espírito que encontrar tantas formas da miséria humana espalhadas pelas páginas da cidade. Aliás, para falar sobre a bondade não é necessário ter feito cursos específicos. Conheço pessoas das mais simples que são tão encantadoras por seus jeitos suaves, educados e desinteressados.
Ao falar sobre a bondade não serei nem o primeiro nem o último, porque Platão (428 a.C.-348 a.C.) e Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) já debatiam a virtude, assim como o Ahimsa, um dos princípios do hinduísmo, através do qual se apregoa a não-violência, o mesmo que praticava Gandhi em seu tempo. “A sua bondade – diz a doutrina, em essência – é inversamente proporcional ao mal que você causa a seres sencientes.” As religiões recomendam a bondade; João, Mateus, Paulo; Confúcio e a Torá são unânimes em nos recomendar que não façamos para outrem o que nos é odioso. A bondade está contida nos mandamentos, na ética, na moral. Aristóteles acreditava que, se incutida nas pessoas, a virtude as tornariam melhores. Mais do que isso: que a própria virtude era o meio termo entre dois extremos.
Ser bondoso é ser agradável, razoável; é ser correto segundo os nossos valores, é anotar boas ações no nosso histórico, o que repercute pela nossa existência, na nossa alma e no nosso bem estar. Não só a religiosidade pode diminuir os riscos de problemas cardíacos – como a ciência tem mostrado –, mas a afabilidade entre as pessoas, a civilidade, a esperança de um futuro melhor.
Os pensamentos ecoam e a bondade nasce da intenção. Pessoas boas são bem intencionadas sobretudo por que compreendem a importância de não ferir o próximo, segundo a sua própria sensibilidade. Talvez o caminho mais virtuoso seja aquele em que sempre se oferece uma beleza. Afinal, como diz o provérbio: “a fragrância sempre permanece na mão de quem oferece flores”.

Amor e inocência

Não só uma pequena parcela de cinéfilos aprova as produções pouco hollywoodianas baseadas nos livros da escritora inglesa Jane Austen (1.775-1.817). Os românticos, os curiosos e os distintos tem à disposição os seis romances da autora, produzidos para cinema ou televisão em várias versões.
Não só as belíssimas paisagens das vilas campesinas inglesas do Século XIX são representadas em "Orgulho e Preconceito" (Pride and Prejudice, 2.005), "Razão e Sensibilidade" (Sense and Sensibility, 1.995, com Emma Thompson), "Persuasão" (Persuasion, 1.995, para tv), "Emma" (1.996, com Gwyneth Paltrow) e "Palácio das Ilusões" (Mansfield Park, 1.999) e "Abadia de Northanger" (Northanger Abbey, 2.007), ambos para a tv.
Os costumes das famílias da época – a maioria de classe média –, os problemas com a herança, os matrimônios por conveniência, a castidade e as virtudes das mulheres, os valores da sociedade e as relações entre sentimentos de personagens da vida comum são elementos cativos em todos eles. Em Jane Austen vemos a singeleza, a cortesia, a consideração pelo próximo, os finos diálogos de uma época tão diferente da atual. "Tenho tantos defeitos para merecê-lo!" – diz Emma Woodhouse a George Knightley.
Embarcar em suas obras é andar quilômetros para levar amêndoas para uma pessoa querida; é fazer companhia para os que estão sozinhos nas festas, é molhar-se na chuva para evitar que as moças se resfriem. Assistir à Jane Austen é sobretudo sentar-se à frente do bom gosto e da polidez.

Delicadeza

Por ocasião de escrever sobre a romancista inglesa Jane Austen (1.775-1.817) essa semana, dei-me conta do quanto regredimos em relação ao nosso comportamento, aos nossos costumes ou relacionamentos. Mesmo se descontando o rigor no trato e na educação da sociedade inglesa dessa época – o que a escritora radiografa tão bem –, até meados do Século XX andar bem aprumado e usar de boas maneiras no dia a dia era menos que uma obrigação; era parte do cenário.
Perguntas como “Quem?” quando alguém atende ao telefone, exclamações como “ah, me poupe!” ou diretas como “não me encha o picuá” seriam objetos mais do que estranhos naquele tempo. Sem contar que o homem caminha para o grunhido, como disse José Saramago uma vez. Antigamente se dizia Vossa Mercê para se designar os nobres e os fidalgos, o que, com o tempo se tornou Vossemecê, Vosmecê e finalmente Você. Não me espanta que pelo mesmo processo as pessoas tenham passado a se preocupar mais consigo mesmas do que com os outros ao seu redor.
Acompanhar deixou de significar apreço e dignidade para designar interesse e conveniência; cortesia se tornou uma qualidade para pouco. Os bailes, as festas, as reuniões, tão comuns naquela época, eram preciosos momentos de confraternidade; a vizinhança não só se frequentava, mas partilhava de arte e cultura, música e camaradagem que foram diminuindo com o tempo. Os costumes previam estima e bom gosto, que eram observados nos modos de proceder e nos trajes pomposos e impecáveis.
Hoje os vizinhos não se conhecem, os amigos se encontram em bares, as famílias se reúnem com muito custo e as roupas valorizam mais o corpo que o caráter. Mesmo o respeito à autoridade decresceu. Apenas um olhar dos avôs de hoje já tinha a sua soberania, virtude a qual poucos pais de hoje detém.
Contudo, com tanta transformação, estou certo de que um pouco daquela época ainda vigora entre a educação e a polidez. Ainda que não venha do berço, sempre é tempo de fazer pelo outro o que gostaríamos que fizessem para a gente.

Simplicidade

Não conheço os segredos do Universo mas, na qualidade de simplório, quero dizer que a vida é simples como escrever: basta que tenhamos ideia e vontade para que tudo o mais misteriosamente se arrume. No dia a dia, grandes oportunidades aparecem quando sabemos exatamente para onde queremos ir.
Simplicidade é aceitar o curso natural das coisas, seus desvios, altos e baixos, sem interferir no seu andamento, sem inflar o próprio ego com títulos, conquistas ou imposições. ‘Ser esclarecido e ainda assim conservar a modéstia – disse o filósofo Lao Tsé – é converter-se numa referência para o mundo’. Aliás, Lao Tsé não é um nome, mas o significado de ‘velho mestre’, para designar um grande sábio que, conta a tradição, teria existido na China 6 séculos antes de Cristo, tempo em que teria legado o ‘Tao Te King’ ou ‘O livro do Caminho e da Virtude’, obra inaugural do Taoísmo. Quase todos os versos do Tao remetem à simplicidade. ‘Quando um indivíduo não questiona a humildade da sua posição – diz um deles –, permanece livre da contradição e da acusação.’
O filósofo francês Michel de Montaigne (1.533-1.592) também se referiu à simplicidade. Foi político, prefeito, importante, mas se retirou para refletir e escrever em seu castelo, onde conheceu lavradores alguns dos quais julgava mais sábios do que muitos universitários da sua época. ‘Uma pessoa pode ser sábia sem jamais ter estudado numa universidade. Para isso – disse ele – basta ter humildade, modéstia e aceitar as próprias limitações’. Ao contrário dos pensadores que acreditavam na razão como condutora à felicidade, Montaigne escreveu que temos tantos problemas justamente por sermos muito racionais: achamo-nos gordos, feios, desajeitados, cheios de bloqueios e complexos.
Ser simples é ser livre e sincero, sobretudo consigo mesmo. ‘O homem precavido – diz o Tao – depõe o coração no altar da Essência e, ao invés da aparência, colhe o fruto ao invés da flor’. Viver a simplicidade, antes de mais nada, pode ser mais simples do que parece.

Cadê as piadas?

Tenho procurado, meio sem sucesso, por piadas de bom tom para colocar aqui para vocês. Não se assustem se eu disser que quase não as encontro, escondidas que devem estar no meio de tanto palheiro. Assim, vai um pedido encarecido: quem tiver alguma bem guardadinha pode me mandar pelo e-mail peduardos@hotmail.com que eu voltarei a postá-las.