O cinema e a música clássica II

Há algumas compreensões para a expressão ‘música clássica’. Uma delas, sustentada pelo senso comum, apenas diferencia duas categorias da música: a clássica e a popular. Uma outra, aceita pelos musicólogos, equivale a música clássica ao Período Clássico (1.750 a 1.820), a que se antecedem o Renascentista e o Barroco e a que se sucedem o Romântico, o Pós-Romântico, o Moderno e o Contemporâneo.
Desta forma, também hoje pretendo indicar outras cinebiografias de alguns dos maiores compositores destes períodos. O cinema tem sido generoso ao mostrar o que há por trás das maravilhas musicais como as sonatas, os noturnos, as valsas, as sinfonias. O que há por trás do humano, o seu ritmo, os seus medos, as suas paixões.
“À noite sonhamos” (A song to remember, 1.945), retrata o espírito sensível de Frederic Chopin (1.810-1.849) - foto ao lado -, sua saúde frágil, seu patriotismo, seu relacionamento com George Sand e a Paris da década de 1.830.
“Delírio de amor” (The music lovers, 1.970) retrata um Tchaikovsky (1.840-1.893) tempestuoso, irresoluto no amor, proeminente na música, cuja personalidade marcante se fez valer sobre o seu mestre, que maldizia as suas obras.
Por último indico o pandemônico “Paganini” (1.989) sobre a história do magnífico violinista Niccolò Paganini (1.782-1.840), de quem se dizia ter pacto com o diabo, tal a sua destreza, tal a sua aparência mefistofélica. O filme é todo diferente, contando de maneira ímpar, com poucos diálogos e muita música, a vida endiabrada do músico italiano.

Leitura

“Às vezes um texto muito interessante passa despercebido porque não sabemos ler. Saber ler não é simplesmente ser alfabetizado. Saber ler é poder, junto, pensar com o autor, compreendê-lo e criticá-lo.” (Leila Maria Barbosa e Wilma Mangabeira, em “A incrível história dos homens e suas relações”)

Project Pitchfork



Finalmente consegui postar mais uma indicação de música;
isso se deve ao fato de o Blogspot ter permitido. Algo saía errado
nas minhas centenas de tentativas anteriores. Máquinas...
Vai aqui 'Fear', uma das faixas que eu mais gosto da banda alemã
Project Pitchfork, um ícone da música eletrônica sombria
dos anos 90. Talvez por essa razão pode ter feito parte do filme
"Cidade das sombras" (Dark city, 1998).

Os desígnios da roça

O trânsito caótico das cidades grandes deixou de ser um assunto novo há décadas, já que há bastante tempo se vem discutindo os engarrafamentos nas ruas das pequenas também. Recarregado da paz da fazenda, vejo a impaciência diariamente estampada por detrás dos vidros dos carros; pressa e indisciplina maiores do que educação e diligência.
Ainda essa semana uma ambulância não conseguia entrar no hospital para onde se destinava, em decorrência de uma fila indiana de carros que insistia em não parar para que ela pudesse atravessar da avenida até o estacionamento, alguns metros dali. Um bom samaritano, observando à cena de longe, aproximou-se à pé para barrar o carro seguinte. Eu sei por que quem estava na ambulância era nonna mia.
Nonna mia sofreu uma queda doméstica, fraturou o fêmur, foi hospitalizada e passou por uma cirurgia para a colocação de uma placa de platina. Ainda em recuperação sofreu nova queda, nova fratura – o fêmur da outra perna –, e nova cirurgia, prestes a completar 94 anos.
Diante do espanto dos médicos e enfermeiros com tamanha força e vontade de viver, foi natural que eu associasse sua surpreendente recuperação à sua vida atrelada à natureza e ao seu pendor para a simplicidade. Nonna mia viveu na roça grande parte da sua trajetória, onde vivia à luz dos lampiões, cozinhava no fogão à lenha, banhava-se sob a água que ela mesma esquentava e cantava sob o som de violas e acordeões, sob a noite alumiada pelo calor da fogueira, ao par da vizinhança, da família e dos amigos. Livre da influência de industrializados, pisando a terra viva, absorvendo o ar puro do campo e a simplicidade da roça, cresceu mais forte que os seus netos e bisnetos, vorazes consumidores de fast-food, de tecnologia e de poluição.
No mundo das charretes não havia trânsito, a não ser o de gansos e galinhas d’angolas que voavam para dar passagem, pelo desígnio da sobrevivência. No mundo das ambulâncias os burros e os espíritos de porco voam sem dar passagem, pelo desígnio de imprudência.

A vida de Émile Zola

Conta o livro “Zola and his life” (de Matthew Josephson, de 1.928), publicado no Brasil em 1.947 sob o título “Zola e o seu tempo” (Editora Nacional), a biografia de Émile Zola (1.840-1.902), um dos maiores radiógrafos da sociedade francesa. Naturalmente influenciado por Honoré de Balzac e Charles Darwin e naturalista por definição, foi sentir na carne as dificuldades da extração de carvão, vivendo a realidade dos mineiros, comendo e bebendo nas tavernas, empurrando vagonetes, ganhando mal e passando fome para escrever “Germinal” (de 1.885), uma das suas obras de maior repercussão.
O filme “The life of Emile Zola” (de 1.937), baseado no livro de Josephson, Oscar de melhor roteiro, melhor filme e melhor ator coadjuvante, não mostra esta passagem em específico. Mas é belíssimo por exprimir um aspecto sensível de Zola enquanto defensor da verdade e da justiça, pela fidelidade às próprias convicções, pela amizade com Paul Cézanne (1.839-1.906), com quem compartilhou não só a miséria e a esperança no anonimato, mas uma sólida humanidade na madureza. O filme representa o compromentimento dos artistas com a sociedade, sobretudo o de Zola com um caso em particular, que não me cabe contar como parte da história. O que posso dizer é que a amizade com Cézanne pode ter sido determinante para que Zola percebesse um algo mais entre o conforto e o humanitarismo.
Em preto e branco, o filme traz as cores da virtude, da honradez e da honraria, que marcaram a vida de Émile Zola como um dos maiores nomes da literatura mundial.

ICAL

A partir de agosto, graças ao convite da minha querida Ana Maria Maruggi, passo a colaborar periodicamente com o site do ICAL - Instituto Cultural, Artístico e Literário do Brasil. Ana é paulistana, escritora, amiga das letras e autora de dezenas de belíssimas poesias publicadas em antologias nos últimos anos.
Mãe de família, profissional competente da área da construção civil e colunista de revistas do ramo, Ana ainda tem tempo para se dedicar ao ICAL, promovendo a cultura, a arte e a literatura.
No ICAL me comprometi a escrever sobre minha amada sétima arte, especificamente sobre os filmes que envolvem escritores, livros e obras literárias transpostas para a telona.
O resultado disso tudo prometo postar aqui no blog sob o item ICAL do sidebar. O endereço do site é www.ical.org.br/ e meus textos serão exibidos na página http://www.ical.org.br/colunistas.php
Como sempre, conto com a visita e a opinião de vocês!

Trilhas

Tantas novas histórias trago de volta na bagagem, há dias entre a terra batida e a vida matuta. Acercado de propósitos, segui tantas das trilhas picadas por quase centena e meia de alqueires, em passos lentos e contemplativos que a calmaria da fazenda me emprestou.
Minha vista se perdia a distância e com ela se foram os meus pensamentos, fugidios como um par de tucanos que me sobrevoaram ladeados. Vi as veredas que pareciam ser muitas, mas me enfiei por entre a cerca de arame que circundava uma represa, ao meio de onde se alevantavam uma dúzia de buritis, um dos quais ainda servia de morada a duas ararinhas filhotes que mais tarde um cineasta viria filmar. Tive de me achegar para acreditar que aquela água era mesmo tão cristalina.
Melhor que pisar um tapete vermelho foi percorrer as primaveras que florearam na estiagem; melhor que as cores da propaganda foi encontrar um brotinho de flor azul ao meio do capim seco. Melhor que os refrigerantes foram as mexericas apinhadas no pé, a água do coco apanhada com a escada e as verduras colhidas na horta. Melhor que a pressa é parar por um instante para admirar o que os olhos não veem sozinhos.
Era bem cedo quando me sentei aos pés das pás da roda d’água que, naquele remanso, trabalham incansáveis. Àquela hora só os ovos chocos descansavam sob a diligência dos ninhos. Ainda há pouco estivera com os bezerros dividindo o leite quente no curral; ainda há pouco havia sereno nas folhas e ainda há pouco o galo amiudara no poleiro. Ainda há pouco seguiria outros caminhos, mas aonde fosse encontraria a mesma paz. Ainda que as cobras e as onças se avizinhassem e que os borrachudos, os picões e os espinhos me acossassem, o sol a pino e a lua posta alteavam mais graça que perigo. Ainda que no escuro montasse os cavalos do pasto, sem luz e sem rumo chegaria ao meu destino pelos desígnios da roça. Assim, muitas das minhas respostas se advieram quando entendi que para chegar às vezes não basta conhecer o caminho: é preciso ter um pouco de paz.

William

William desapareceu em Indaiatuba/SP
no último dia 5 de agosto. Quem tiver notícias
de seu paradeiro por favor ligue
Telefone: (19) 3329-6795
Celular: (19) 8131-2969

Pater Amabilis

O Dia dos Pais que se avizinha do sertão é azul e verde: azul como o céu de brigadeiro, verde como um tapete de palmeiras, tão fundidos e indissolutos na paisagem quanto na intrínseca e delicada essência através da qual se conjugam.
O céu tão claro é mais claro no horizonte, ao nascente, para cima de onde galgam seus matizes em escala até o zênite formoso e pintado de escuro, cravejado de luminâncias que mais são lições que a vida ensinou. O verde primeiro é semente escondida que brota sob a égide de um amor incondicional, regada a doses diárias de educação e atenção. Depois cria raízes e sobe sozinha, frondejando seu espaço e frutificando a sua história.
Pais e filhos são semeadores da terra de Deus cujas relações não se podem desprezar. Fazem parte da mesma fazenda, avivados por outras presenças não menos importantes. Na medida em que a mãe fertiliza e alimenta, o pai é quem apruma e fortalece. A mãe provê as flores, o perfume e o encanto, mas é o pai quem guarnece energia, pertinácia e firmeza.
Na fazenda os pais são os maiores e os mais fortes, que espantam o perigo dos pequenos e dos mais frágeis. Os pais são os cavalos selvagens na companhia dos pôneis no meio do pasto, são os cães de grande porte por cima de quem se aninham e passeiam alguns pintinhos, são os bois bravos que ladeiam e protegem os bezerrinhos desmamados.
Na humanidade os pais caçam para a prole e a defendem com a própria vida quaisquer perigos imediatos, ataques iminentes ou ameaças imaginárias. Pais espantam mal-olhados, mal-encarados e bichos-papões e sofrem a própria dor dos filhos sem deixar que eles percebam os seus medos, as suas dúvidas e os seus próprios questionamentos.
Na vida seguimos os passos dos nossos pais e aprendemos a olhar para eles de modo diferente em cada fase da nossa vida: ora mais deslumbrados, ora mais admirados, mais implicantes, mais questionadores ou mais reflexivos; mas me espelho no meu para dizer que são sempre companheiros. Para mim, pais serão sempre super-heróis.

O cinema e a música clássica

Arte, música e literatura sempre estiveram tão ligadas ao cinema que merecem capítulos à parte enquanto íntimas companheiras. Afiguram-se, assim, os bons filmes que representam o expressionismo ou o surrealismo – dois expressivos movimentos artísticos –, os belos musicais de Hollywood, as tantas obras literárias e as tantas histórias de vida de pintores, músicos, escritores e celebridades de todos os cantos, adaptadas para o cinema.
Tenho grande apreço pelas cinebiografias, que têm trazido as aventuras de tantas pessoas notáveis que enfim têm se mostrado tão ou mais falíveis que as nossas.
Desta vez destaco quatro filmes especiais, baseados na trajetória de alguns dos maiores gênios da história da música clássica. São destes que encantam não só pela ascensão dos protagonistas, mas pelas virtudes que os rodeiam, pela sensibilidade para a arte que fazem transbordar para a vida.
Talvez os mais celebrados sejam "Amadeus" (de 1984) e "Minha amada imortal" (Immortal beloved, 1994), que remetem a Mozart e a Beethoven; mas "Valsas de Viena" (Waltzes from Vienna, 1.934) e "Sonata de Amor" (Song of love, 1.947) são imperiosos. O primeiro é da fase inglesa de Alfred Hitchcock, que retrata um trecho da vida de Johann Strauss (o filho), seu relacionamento com Johann Strauss (o pai) e como desponta com ‘Danúbio Azul’; o segundo (foto acima) romanceia a vida de Robert Schumman, sua esposa Clara e seu pupilo Johannes Brahms, num filme que talvez se transforme num dos mais lindos da vida de vocês também.

Propósito

Viajar para o sertão goiano foi também uma opção para me desintoxicar de tanta modernidade, de tão enfincado no estado mais concorrido do país, ao redor de energia elétrica o tempo todo, onde tantas pressões convergem para apenas uma pessoa. Tal como os que procuram os campos, as montanhas ou a paz, alguns viajantes se retiram de seus cenários por certo para vislumbrá-los sob novas óticas, novas ideias ou novas esperanças. Desacelerar ou se desligar por um instante talvez seja tão importante quanto o estalar de uma nova inspiração.
Em propaganda aprendemos a importância do processo criativo, que se inicia com o propósito, aprofunda-se nas pesquisas, esquece-se na incubação, transforma-se nos insights e se completa na amarração. Os especialistas aconselham total afastamento do processo durante a fase da incubação: depois de estabelecida a meta, depois de tanto estudo, informação e investigação, é hora de pescar, de dormir na rede e de caminhar ao entardecer. Não que descansar represente pouco caso ou negligência, mas quando nos desligamos as nossas perguntas continuam piscando em busca de respostas, que virão tão mais facilmente quanto maiores forem os nossos índices de assossego.
Planejar, sim, é um dos maiores verbos da evolução humana, que a imaginação o acompanhe. Ter um propósito vigente é tão necessário quanto o ar que respiramos, para que a nossa vida não se torne sufocante. “Nada contribui tanto para tranqüilizar a mente – disse a escritora inglesa Mary Wollstonecraft –, como um propósito estável, um ponto sobre o qual a alma possa fixar o seu olhar intelectual.”
Assim, não valem só as viagens retirantes, mas também o exame de consciência, o instante de introspecção, a parada estratégica para o olhar do mirante. Temos sempre que estabelecer novas missões, às quais devemos nos agarrar, acercados de tanta informação acessível e de tanta fé interior. Sempre é tempo de um propósito e de um objetivo no mundo, pois o coração aceso na vida corre iluminando por onde passa.

Riqueza

"Conheci uma pessoa tão pobre, mas tão pobre, que a única coisa que ela tinha era dinheiro." (Uma frase lida à beira da BR-060, que liga Goiânia a Campo Grande)

De volta

Estive viajando nas últimas duas semanas entre a belíssima capital goiana e os deslumbrantes cenários da natureza localizados na fazenda de um primo querido, situada por sua vez numa cidadezinha de 1.500 habitantes chamada Cachoeira de Goiás, distante de Goiânia 178 km. Aí ao lado uma das represas, com a água mais cristalina que eu já vi na vida, pela qual se levantam lindíssimos buritis, ao redor de onde sobrevoam tucanos e araras. O céu esteve límpido e esplendoroso por todas os dias, todinho preto ou todinho branco em todas as noites, ao par das grutas, das trilhas, das caranhas, dos ipês e do horizonte esverdeado que se estendeu neste tempo. Para um apaixonado pela natureza, mais do que estar em seus domínios é estar conjugado nas suas raízes.